segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Elementos pré simbolistas no contexto ultra romântico








Caminhando para uma estrutura musical, os poetas da década de 80, buscavam se afastar das escolas literárias parnasianas e realistas. Embora os artistas simbolistas tenham algumas características em comum, muitos deles não aderiram a nenhuma uniformidade estilística.

Veremos o sentimento religioso, o desejo de religação com o cosmos, mesclado à angústia de viver nesse miserável plano de existência. Porém, as razões sócio-econômicas que engendram a realidade insatisfatória são deixadas de lado preservando o platonismo e o cristianismo. Melancolia sem revolta, eis o que, grosso modo, é apresentado como essencial da poesia  Simbolista,.

Podemos dizer que o Simbolismo por um lado representa a versão final da evolução iniciada com o Romantismo, com a descoberta da metáfora e que conduziu uma riqueza imaginária impressionista. Porém, ele também pode ser considerado como uma reação contra toda a poesia anterior. Fato este, que o próprio Simbolismo repudia o Romantismo pelo seu emocionalismo e o convencionalismo da linguagem metafórica.

“Portanto os simbolistas, compreendem que a poesia não é somente a emoção, amor, mas a tomada da consciência desta emoção; que a atitude poética não é unicamente afetiva, mas ao mesmo tempo cognitiva. Por outras palavras, a poesia carrega em si um modo de conhecer.” (MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira, Simbolismo. Pág: 35)


            A subjetividade de cada artista e seus aspectos não-racionais como o misticismo, também são valorizados e sobrepostos de acordo com alguns poetas que tinham uma estreita ligação nas artes plásticas, considerada Simbólicas já na França, destes; Verlaine, Mallarmé e Rimbaud.

Pode-se dizer então que, enquanto o Romantismo se eleva, o Simbolismo cai; queda esta que pode ser demonstrada pelas quebras dos padrões estéticos vivenciados cotidianamente em crise. Desta forma, a burguesia intelectual da época preconizavam o fim do academicismo e do positivismo, por terem a clareza de que esses valores não faziam mais sentido em suas vidas e, conseqüentemente, em suas criações. Deste modo, a obra começa a ser vista a partir de um novo olhar, a pintura é feita sem acabamento em sua superfície, com pinceladas toscas, distorções das formas e utilização de cores não naturais. Ou seja, a decadência superficial que recai sobre o materialismo, a terra. A própria linguagem a ser posta em questão e sendo mais trabalhada. A linguagem pela linguagem.
O mundo real, passa a ser transfigurado a partir daí. O Simbolismo rejeita toda aquela representação Fiel ao mundo, perfeitamente em traços. Com isso, toda essa idéia romântica do alcance a perfeição, a eterna busca pelo sublime recai, quando no Simbolismo essa transformação ocorre de forma lenta e gradual. A realidade passa a ser o plano teórico, um nível de abstração muito mais elevada, numa linguagem muito mais trabalhada e musicalizada, pois era a forma que os poetas encontravam para anular o tédio e representar o mundo de forma cientifica, material e orgânica.


“Após uma esfuziante crença na razão e na ciência, após tanto positivismo e tanto progresso teorizados, a prática da vida diária começou a mostrar ao homem finissecular em cansaço e uma descrença tão grande nesse mundo materialista, que uma espécie de nostalgia da alma do espírito, das coisas parecia dominar a todos.”
(PEIXOTO, Sérgio Alves. A consciência criadora na poesia brasileira; pág. 191)


O próprio Simbolismo nega os valores anteriores a ele, onde se encaixa o Romantismo, e é nesse conflito que o próprio poeta começa a questionar sua incapacidade de impor novos valores, e passa a negar o mundo e a realidade. Passa a descrê em tudo, buscando, sobretudo, na embriaguez e na musicalidade uma nova idéia que se transfigura. Nesse aspecto, podemos entrar agora com uma nova linha de estudo ao qual se encaixa o Romantismo de Segunda Geração, pois é a partir dele que podemos traçar um diálogo decadentista. Enquanto os poetas Simbolistas buscavam na embriaguez distorcer a realidade, e a descrença presente no próprio conflito interior, os poetas ultra-romanticos buscavam a embriaguez como forma de alcança aquilo que é perfeito, sendo assim numa posição contrária.

“Contatava-se a miséria do mundo e do poeta pra nada se fazer, a não ser lamentar-se, na maioria das vezes em tom baixo, e refugira-se na embriaguez do sonho e da música.”
(PEIXOTO, Sérgio Alves; A consciencia criadora na poesia brasileira; pág. 200)


É fato de que o Simbolismo apresenta traços meramente semelhantes ao de Romantismo de segunda geração, a que se baseou em uma arte totalmente voltada para o desapego patriota e “mergulhou” em um exacerbado sentimentalismo e pessimismo doentio como forma de escapar da realidade e dos problemas que assolavam a sociedade na época. Em síntese, pela cultura européia trazida pelo poeta Álvares de Azevedo, era o subjetivismo que assolava a obra poética do autor, o egocentrismo, e negação da cultura indianista, da cultura patriota, criando assim a necessidade do autor em se questionar sobre o seu papel dentro da literatura.
Sua poesia não revela nenhuma impregnação afetiva do instinto de nacionalidade que surgiu momentaneamente do subjetivismo lírico em que encontrava o clima ideal. Entre os românticos, foi de fato singular a sua atitude retraída perante a natureza, onde não encontrava resposta às solicitações do espírito. Álvares de Azevedo manifestava um regular desejo em conciliar-se com a natureza exterior.

São idéias talvez... Embora riam
Homens sem alma, estéreis criaturas,
Não posso desamar as utopias.”
(AZEVEDO, Álvares de, Lira dos vinte anos.)

A causa para o seu êxito como poeta, foi aquilo que dispunha como a natureza exterior: A sua imaginação de índole obscura, onde tudo era sugestivo em vida, mas que também era luminosidade, como o predomínio das forças elementares assim como relatadas posteriormente no Simbolismo.

“Quando Silvio Romero abusivamente o julgava um talento superior ao de Baudelaire ou quando Ronald de Carvalho entreviu, no poema “Meu sonho”, uma antecipação da poesia decadentista, é que , pela excentricidade de suas visões e pela fluidez de sua linguagem poética. Álvares de Azevedo fora mesmo alem do Romantismo convencional.”
(ROCHA, Hildon. Álvares de Azevedo: Anjo e Demônio do Romantismo, pág. XI)


Os simbolistas retomam a subjetividade da arte romântica com outro sentido. Os românticos desvendavam apenas a primeira camada da vida interior, onde se localizavam vivências quase sempre de ordem sentimental. Os simbolistas vão mais longe, descendo até os limites do subconsciente e mesmo do inconsciente. Cruz e Sousa têm por um de seus temas como principal, o luar, conciliando uma Síntese superior, a luz fria, a castidade e o lado noturno do seu “eu”. Este tema é apresentado por duas vias de acordo com Afrânio Coutinho: Ora a noite é acalentadora e que faz esquecer a maldade dos homens; ora é o símbolo da morte, da esterilidade. Sendo assim dispersos, ambas as escolas traçavam aquilo que era chamado de Decadentismo poético.

“O Decadentismo é um clima, é o extremo exacerbado individualismo, mais acentuado do que o Romantismo, é o cansaço de quem vive os últimos tempos, mas que ampliando-se ultrapassa seus limites históricos derramando-se pelo século XX. Com o Decadentismo, o lirismo pessoal readquire seu sentido puro.”


O Decadentismo presente no Simbolismo é diferente daquele encontrado no Romantismo, pois, vive exatamente na medida em que busca uma linguagem capaz de sugerir uma verdade, uma forma de recusar o mundo. Já que no Romantismo o decadentismo se dava aos encontros irrealizáveis do poeta que estavam sempre em plano irreal, imaterial. É sempre bom lembrar que o Decadentismo foi uma fase de negação, de protesto, de individualismo, de reação contra o Positivismo e Parnasianismo, reduzindo as suas emoções baixas, à emoções indefiníveis, as sensações exacerbadas, as “exigências” da carne.



Álvares de Azevedo, trouxe parcialmente ao Brasil essa reforma antinacionalista. Estudar a sua poesia é penetrar em um mundo cheio de sonhos e fantasias. Aceitar o desafio de penetrar a interioridade do poeta é descobrir que sua obra é a expressão do desejo de viver intensamente, retido por valores sociais que causando temor e anseios no poeta. O que se pode observar é que ele possui uma fascinação pelo novo, o que, de certa forma, dificultou a compreensão da crítica do século XIX, atribuindo a inovação a sua imaturidade, visto que boa parte de sua escrita está marcada pela rebeldia, própria de um poeta jovem que busca definir seu estilo.
Visto num contexto contra reformista em desordem social, tanto no Romantismo apresentado na Segunda Geração, como no Simbolismo, eis que surge uma vertente, uma leva tipicamente européia, trazida por influencias do Poeta Inglês George G. Byron, quando há uma penetração no satanismo surgido como oposição ao conceito religioso implementado na época. Satã realmente teve um papel fundamental na Literatura, pois era o mais belo do anjos, da luz. Satã foi símbolo da revolta e da liberdade entre a maioria dos poetas, sendo uma reivindicação de si mesmo perante a Deus. Em “broqueis” de Cruz e Sousa, a maioria dos poemas atualiza o amor erótico, o amor idealizado. O Amor em “faróis” é desmaterializado através do corpo que só se vislumbra com a morte e a destruição. A dor e a convulsa estão sempre presente nas obras do poeta.


“Existem em todo o homem, a todo o momento, duas postulações simultâneas, uma a Deus, outra a Satanás. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de elevar-se; aquela a Satanás, ou animalidade, é uma alegria de precipitar-se no abismo.”
(Charles Baudelaire)


Baudelaire, como sendo percussor do Simbolismo, opõe Deus ao maligno, e por ser cristão. Traz uma nostalgia da felicidade perdida, o corpo representa o pecado; o espírito representa o amor ideal. A putrefação encontra-se associado ao realismo mundano. Assim em Cruz e Sousa, “Vênus Negra” encaminha para o pecado, sensual e carnal por parte da mulher negra, enquanto a branca é alva e se encontra em uma atmosfera religiosa em grande parte dos poemas.

“Como os de hoje, os jovens daquele tempo, no Brasil provinciano e atrasado, faziam do sexo uma plataforma de libertação e combate, que se articulava à negação das instituições. Eles eram agressivamente eróticos, com a mesma truculência com que eram republicanos e agrediam o Imperador, chegando alguns ao limiar do socialismo. Portanto, foi um grande instrumento libertador esse Baudelaire unilateral ou deformado, visto por um pedaço, que fornecia descrições arrojadas da vida amorosa e favorecia uma atitude de oposição aos valores tradicionais, por meio de dissolventes como o tédio, a irreverência e a amargura.” (CANDIDO, 1987, p. 26)

Nessa leva influenciável, voltamos ao Byronismo, onde encontramos em Azevedo uma alma complexa de adolescente apaixonado pelo seu ídolo, fazendo de Byron o grande lírico, o poeta dos sonhos perdidos “Que do mundo o fingir merece apenas/ Negro sarcasmo em lábios de poeta”. Álvares de Azevedo transformou-o em sua própria musa, “Minha musa serás poeta altivo”, encontrando nele o espelho de seu dramatismo, pessimismo, desespero e descrença, fazendo da poesia uma explosão da alma irrequieta e melancólica.

Arquétipo

Ele era belo: na espaçosa fronte
O dedo do Senhor gravado havia
O sigilo do gênio; em seu caminho
O hino da manhã soava ainda
E os pássaros da selva gorjeando

Saudavam-lhe a passagem neste mundo.
Sim, era uma criança, e no entanto
Frio da morte lhe coava n´alma.
O seu riso era triste como o inverno,
Num clarão, nem um pálido lampejo
Da mocidade o fogo revelavam.

Em nada acreditava; há muito tempo
Que a idéia de Deus soprara d´alma
Como das botas a poeira incômoda.
O Evangelho era um livro de anedota,
Beethoven torturava-lhe os ouvidos
A poesia provocava o sono.

Muita donzela suspirou por ele,
Muita beleza lhe dormiu nos braços,
Mas frio como o gênio da descrença,
Após um´hora de gozar maldito,
Saciado as deixou, como o conviva
A mesa do festim, - farto e cansado...
(CAVALHEIRO, 1961, p. 18-19)


A consagração do fumo, da bebida, dos amores carnais e, principalmente o tédio, retratam uma concepção epicurista da vida; pois, a procura do prazer é uma necessidade transformada em uma verdadeira obsessão, tanto que a inexistência de um deleite obriga a substituição por outro cada vez mais eficiente. A produção Azevediana, à maneira de Byron é, contudo, a mais fraca e artificial.
A sua produção não-byroniana é excepcional pela dosagem exata do humor.
Magalhães Júnior (1962,p.46), em consonância com outros críticos, afirma que o mal byrônico foi uma epidemia que dominou as letras brasileiras:

“Morto aos 37 anos em 1824, duas décadas mais tarde Byron continuava a inflamar a mocidade intelectual brasileira. Quando acadêmico, em São Paulo, Antônio Augusto de Queiroga, seu primeiro tradutor no Brasil, transportara para a nossa língua o dramapoema Caim. Francisco José Pinheiro Guimarães traduzira ChildeHarold‟s Pilgrimage e outros estudantes procuravam fazer o mesmo. Raros os que, com algumas noções da língua inglesa e certa tendência literária, não pagavam seu tributo ao poeta de O Corsário e a Noiva de Abydos. José de Alencar foi um destes. Ele próprio o confessa em Como e porque sou romancista.” (Grifos do autor)


           Neste processo, podemos encaixar o poema “Lésbia” de Cruz e Sousa, publicado no livro “Broquéis”, de 1893,o poeta descreve uma figura feminina em que ressaltam aspectos selvagens e instintivos, pela aproximação direta com elementos do campo vegetal. O processo é intensificado pelos adjetivos que complementam aqueles elementos (lascivo, selvagem, mortal, carnívora e sangrenta),representando-se a sexualidade feminina, homossexual, como o título indica, de uma perspectiva negativa, também byronica. Os dois últimos tercetos acentuam a implícita aproximação ao satânico em referencia à demoníaca serpente, estabelecendo-se uma atmosfera de entorpecimento nasal pelos campos aromáticos, sabores em seios acídulos, amargos e visões obscuras como o luar tuberculoso. Observe o poema “Lésbia”:

Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passa, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo...

Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atrações do gozo.

Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso..
(Lésbia – Cruz e Sousa)


(...) o terceiro, enfim, condensa-se nas lésbicas, por quem Baudelaire sempre se sentiu atraído, talvez devido a razões psicanalíticas profundas que não vale a pena investigar, mas que provavelmente se prendem com o repúdio da agressividade inerente ao falocentrismo da sexualidade masculina, deixando essas mulheres envoltas numa doçura que apenas o feminino conhece e que, sem o ônus da gravidez e da família, dão a Baudelaire a ilusão de um amor tanto mais puro quanto se libertou das leis da natureza.

                                                                                                          
            Enquanto o Romantismo prega o cansaço da civilização se apegando a um “Eu”, a uma “Pátria”, à “Religião” ou ao “Amor”, o Simbolismo expressa o mesmo cansaço, mas sem idealismos em que se apegar; só resta, para os simbolistas, a arte. Daí a idéia de “arte pela arte”. Além disso, diferentemente do Romantismo, na experiência simbolista toda transcendência está destinada ao fracasso. Trata-se de um mundo no qual não há mais Deus. A transcendência, assim, se volta para o mundo retificado, caracterizando uma busca do além pela concretude, configurando uma ambição um tanto quanto paradoxal. Outra diferença entre os movimentos é que enquanto o primeiro comunica, o último sugere, via o já explicado discurso indireto da imagem. Enquanto a figura de poeta no Romantismo é a de bardo, que transmite verdades, no Simbolismo a é figura de vidente - que vislumbra, entrevê.

          Visto que a literatura brasileira sofreu grande influência da literatura européia, nada mais natural que também nossos românticos e simbolistas se imbuíssem dessa influência. Assim como Cruz e Sousa tenha se banhado na poética orgânica de Baudelaire e Álvares de Azevedo na poética erótica de George G. Byron. Mesmo que a máscara satânica usada pelos poetas peca pela falsidade, os vícios que o escravizam não condizem com a realidade de ambos; Álvares de Azevedo morreu tão virgem quanto nasceu, e nisso Cruz e Souza vivia ao lado da Loucura de Gavita, sua esposa e na miséria, vendo distante dessa realidade tão almejada em seus poemas, a necessidade da eterna busca conflituosa e espirituosa.



Por: Valesca Rennó