Caminhando para uma estrutura musical, os
poetas da década de 80, buscavam se afastar das escolas literárias parnasianas
e realistas. Embora os artistas
simbolistas tenham algumas características em comum, muitos deles não aderiram
a nenhuma uniformidade estilística.
Veremos o sentimento religioso, o desejo de
religação com o cosmos, mesclado à angústia de viver nesse miserável plano de existência. Porém, as razões
sócio-econômicas que engendram a realidade insatisfatória são deixadas
de lado preservando o platonismo e o cristianismo. Melancolia sem
revolta, eis o que, grosso modo, é apresentado como essencial da poesia Simbolista,.
Podemos dizer que o Simbolismo por um lado
representa a versão final da evolução iniciada com o Romantismo, com a
descoberta da metáfora e que conduziu uma riqueza imaginária impressionista.
Porém, ele também pode ser considerado como uma reação contra toda a poesia
anterior. Fato este, que o próprio Simbolismo repudia o Romantismo pelo seu
emocionalismo e o convencionalismo da linguagem metafórica.
“Portanto os
simbolistas, compreendem que a poesia não é somente a emoção, amor, mas a
tomada da consciência desta emoção; que a atitude poética não é unicamente
afetiva, mas ao mesmo tempo cognitiva. Por outras palavras, a poesia carrega em
si um modo de conhecer.” (MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira,
Simbolismo. Pág: 35)
A subjetividade de cada artista e
seus aspectos não-racionais como o misticismo, também são valorizados e
sobrepostos de acordo com alguns poetas que tinham uma estreita ligação nas
artes plásticas, considerada Simbólicas já na França, destes; Verlaine, Mallarmé e Rimbaud.
Pode-se dizer então que, enquanto o Romantismo se eleva, o Simbolismo cai; queda esta que pode ser
demonstrada pelas quebras dos padrões estéticos vivenciados cotidianamente em
crise. Desta forma, a burguesia intelectual da época preconizavam o fim
do academicismo e do positivismo, por terem a clareza de que esses valores não
faziam mais sentido em suas vidas e, conseqüentemente, em suas criações. Deste
modo, a obra começa a ser vista a partir de um novo olhar, a pintura é feita
sem acabamento em sua superfície, com pinceladas toscas, distorções das formas
e utilização de cores não naturais. Ou seja, a decadência superficial que recai
sobre o materialismo, a terra. A própria linguagem a ser posta em questão e
sendo mais trabalhada. A linguagem pela linguagem.
O mundo real, passa a ser transfigurado a
partir daí. O Simbolismo rejeita toda aquela representação Fiel ao mundo,
perfeitamente em traços. Com isso, toda essa idéia romântica do alcance a
perfeição, a eterna busca pelo sublime recai, quando no Simbolismo essa transformação
ocorre de forma lenta e gradual. A realidade passa a ser o plano teórico, um
nível de abstração muito mais elevada, numa linguagem muito mais trabalhada e
musicalizada, pois era a forma que os poetas encontravam para anular o tédio e
representar o mundo de forma cientifica, material e orgânica.
“Após uma
esfuziante crença na razão e na ciência, após tanto positivismo e tanto
progresso teorizados, a prática da vida diária começou a mostrar ao homem
finissecular em cansaço e uma descrença tão grande nesse mundo materialista,
que uma espécie de nostalgia da alma do espírito, das coisas parecia dominar a
todos.”
(PEIXOTO, Sérgio Alves. A
consciência criadora na poesia brasileira; pág. 191)
O próprio Simbolismo nega os valores
anteriores a ele, onde se encaixa o Romantismo, e é nesse conflito que o
próprio poeta começa a questionar sua incapacidade de impor novos valores, e
passa a negar o mundo e a realidade. Passa a descrê em tudo, buscando,
sobretudo, na embriaguez e na musicalidade uma nova idéia que se transfigura.
Nesse aspecto, podemos entrar agora com uma nova linha de estudo ao qual se
encaixa o Romantismo de Segunda Geração, pois é a partir dele que podemos
traçar um diálogo decadentista. Enquanto os poetas Simbolistas buscavam na
embriaguez distorcer a realidade, e a descrença presente no próprio conflito
interior, os poetas ultra-romanticos buscavam a embriaguez como forma de
alcança aquilo que é perfeito, sendo assim numa posição contrária.
“Contatava-se
a miséria do mundo e do poeta pra nada se fazer, a não ser lamentar-se, na
maioria das vezes em tom baixo, e refugira-se na embriaguez do sonho e da
música.”
(PEIXOTO, Sérgio Alves; A
consciencia criadora na poesia brasileira; pág. 200)
É fato de que o Simbolismo apresenta
traços meramente semelhantes ao de Romantismo de segunda geração, a que se
baseou em uma arte totalmente voltada para o desapego patriota e “mergulhou” em
um exacerbado sentimentalismo e pessimismo doentio como forma de escapar da
realidade e dos problemas que assolavam a sociedade na época. Em síntese, pela cultura
européia trazida pelo poeta Álvares de Azevedo, era o subjetivismo que assolava
a obra poética do autor, o egocentrismo, e negação da cultura indianista, da
cultura patriota, criando assim a necessidade do autor em se questionar sobre o
seu papel dentro da literatura.
Sua poesia não revela nenhuma impregnação
afetiva do instinto de nacionalidade que surgiu momentaneamente do subjetivismo
lírico em que encontrava o clima ideal. Entre os românticos, foi de fato
singular a sua atitude retraída perante a natureza, onde não encontrava
resposta às solicitações do espírito. Álvares de Azevedo manifestava um regular
desejo em conciliar-se com a natureza exterior.
“São idéias talvez... Embora riam
Homens sem alma, estéreis criaturas,
Não posso desamar as utopias.”
(AZEVEDO, Álvares de, Lira dos vinte anos.)
A causa para o seu êxito como poeta, foi
aquilo que dispunha como a natureza exterior: A sua imaginação de índole obscura,
onde tudo era sugestivo em vida, mas que também era luminosidade, como o
predomínio das forças elementares assim como relatadas posteriormente no
Simbolismo.
“Quando
Silvio Romero abusivamente o julgava um talento superior ao de Baudelaire ou
quando Ronald de Carvalho entreviu, no poema “Meu sonho”, uma antecipação da
poesia decadentista, é que , pela excentricidade de suas visões e pela fluidez
de sua linguagem poética. Álvares de Azevedo fora mesmo alem do Romantismo
convencional.”
(ROCHA, Hildon. Álvares de
Azevedo: Anjo e Demônio do Romantismo, pág. XI)
Os
simbolistas retomam a subjetividade da arte romântica com outro sentido. Os
românticos desvendavam apenas a primeira camada da vida interior, onde se
localizavam vivências quase sempre de ordem sentimental. Os simbolistas vão
mais longe, descendo até os limites do subconsciente e mesmo do inconsciente. Cruz
e Sousa têm por um de seus temas como principal, o luar, conciliando uma
Síntese superior, a luz fria, a castidade e o lado noturno do seu “eu”. Este
tema é apresentado por duas vias de acordo com Afrânio Coutinho: Ora a noite é
acalentadora e que faz esquecer a maldade dos homens; ora é o símbolo da morte,
da esterilidade. Sendo assim dispersos, ambas as escolas traçavam aquilo que
era chamado de Decadentismo poético.
“O
Decadentismo é um clima, é o extremo exacerbado individualismo, mais acentuado
do que o Romantismo, é o cansaço de quem vive os últimos tempos, mas que
ampliando-se ultrapassa seus limites históricos derramando-se pelo século XX.
Com o Decadentismo, o lirismo pessoal readquire seu sentido puro.”
O Decadentismo presente no Simbolismo é
diferente daquele encontrado no Romantismo, pois, vive exatamente na medida em
que busca uma linguagem capaz de sugerir uma verdade, uma forma de recusar o
mundo. Já que no Romantismo o decadentismo se dava aos encontros irrealizáveis
do poeta que estavam sempre em plano irreal, imaterial. É sempre bom lembrar
que o Decadentismo foi uma fase de negação, de protesto, de individualismo, de
reação contra o Positivismo e Parnasianismo, reduzindo as suas emoções baixas,
à emoções indefiníveis, as sensações exacerbadas, as “exigências” da carne.
Álvares de Azevedo, trouxe parcialmente ao
Brasil essa reforma antinacionalista. Estudar a sua poesia é penetrar em um
mundo cheio de sonhos e fantasias. Aceitar o desafio de penetrar a
interioridade do poeta é descobrir que sua obra é a expressão do desejo de
viver intensamente, retido por valores sociais que causando temor e anseios no
poeta. O que se pode observar é que ele possui uma fascinação pelo novo, o que,
de certa forma, dificultou a compreensão da crítica do século XIX, atribuindo a
inovação a sua imaturidade, visto que boa parte de sua escrita está marcada
pela rebeldia, própria de um poeta jovem que busca definir seu estilo.
Visto num contexto contra reformista em
desordem social, tanto no Romantismo apresentado na Segunda Geração, como no
Simbolismo, eis que surge uma vertente, uma leva tipicamente européia, trazida
por influencias do Poeta Inglês George G. Byron, quando há uma penetração no
satanismo surgido como oposição ao conceito religioso implementado na época.
Satã realmente teve um papel fundamental na Literatura, pois era o mais belo do
anjos, da luz. Satã foi símbolo da revolta e da liberdade entre a maioria dos
poetas, sendo uma reivindicação de si mesmo perante a Deus. Em “broqueis” de
Cruz e Sousa, a maioria dos poemas atualiza o amor erótico, o amor idealizado.
O Amor em “faróis” é desmaterializado através do corpo que só se vislumbra com
a morte e a destruição. A dor e a convulsa estão sempre presente nas obras do
poeta.
“Existem
em todo o homem, a todo o momento, duas postulações simultâneas, uma a Deus,
outra a Satanás. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de
elevar-se; aquela a Satanás, ou animalidade, é uma alegria de precipitar-se no
abismo.”
(Charles
Baudelaire)
Baudelaire, como sendo percussor do
Simbolismo, opõe Deus ao maligno, e por ser cristão. Traz uma nostalgia da
felicidade perdida, o corpo representa o pecado; o espírito representa o amor
ideal. A putrefação encontra-se associado ao realismo mundano. Assim em Cruz e
Sousa, “Vênus Negra” encaminha para o pecado, sensual e carnal por parte da
mulher negra, enquanto a branca é alva e se encontra em uma atmosfera religiosa
em grande parte dos poemas.
“Como os de
hoje, os jovens daquele tempo, no Brasil provinciano e atrasado, faziam do sexo
uma plataforma de libertação e combate, que se articulava à negação das
instituições. Eles eram agressivamente eróticos, com a mesma truculência com
que eram republicanos e agrediam o Imperador, chegando alguns ao limiar do
socialismo. Portanto, foi um grande instrumento libertador esse Baudelaire
unilateral ou deformado, visto por um pedaço, que fornecia descrições arrojadas
da vida amorosa e favorecia uma atitude de oposição aos valores tradicionais,
por meio de dissolventes como o tédio, a irreverência e a amargura.” (CANDIDO,
1987, p. 26)
Nessa leva influenciável, voltamos ao
Byronismo, onde encontramos em Azevedo uma alma complexa de adolescente
apaixonado pelo seu ídolo, fazendo de Byron o grande lírico, o poeta dos sonhos
perdidos “Que do mundo o fingir merece apenas/ Negro sarcasmo em lábios de
poeta”. Álvares de Azevedo transformou-o em sua própria musa, “Minha musa serás
poeta altivo”, encontrando nele o espelho de seu dramatismo, pessimismo,
desespero e descrença, fazendo da poesia uma explosão da alma irrequieta e
melancólica.
Arquétipo
Ele era belo: na espaçosa fronte
O dedo do Senhor gravado havia
O sigilo do gênio; em seu caminho
O hino da manhã soava ainda
E os pássaros da selva gorjeando
Saudavam-lhe a passagem neste mundo.
Sim, era uma criança, e no entanto
Frio da morte lhe coava n´alma.
O seu riso era triste como o inverno,
Num clarão, nem um pálido lampejo
Da mocidade o fogo revelavam.
Em nada acreditava; há muito tempo
Que a idéia de Deus soprara d´alma
Como das botas a poeira incômoda.
O Evangelho era um livro de anedota,
Beethoven torturava-lhe os ouvidos
A poesia provocava o sono.
Muita donzela suspirou por ele,
Muita beleza lhe dormiu nos braços,
Mas frio como o gênio da descrença,
Após um´hora de gozar maldito,
Saciado as deixou, como o conviva
A mesa do festim, - farto e cansado...
(CAVALHEIRO, 1961, p. 18-19)
A consagração do fumo, da bebida, dos
amores carnais e, principalmente o tédio, retratam uma concepção epicurista da
vida; pois, a procura do prazer é uma necessidade transformada em uma
verdadeira obsessão, tanto que a inexistência de um deleite obriga a
substituição por outro cada vez mais eficiente. A produção Azevediana, à
maneira de Byron é, contudo, a mais fraca e artificial.
A sua produção não-byroniana é excepcional pela dosagem exata
do humor.
Magalhães Júnior (1962,p.46), em consonância com outros
críticos, afirma que o mal byrônico foi uma epidemia que dominou as letras
brasileiras:
“Morto aos
37 anos em 1824, duas décadas mais tarde Byron continuava a inflamar a mocidade
intelectual brasileira. Quando acadêmico, em São Paulo, Antônio Augusto de
Queiroga, seu primeiro tradutor no Brasil, transportara para a nossa língua o
dramapoema Caim. Francisco José Pinheiro Guimarães traduzira ChildeHarold‟s
Pilgrimage e outros estudantes procuravam fazer o mesmo. Raros os que, com
algumas noções da língua inglesa e certa tendência literária, não pagavam seu
tributo ao poeta de O Corsário e a Noiva de Abydos. José de Alencar foi um
destes. Ele próprio o confessa em Como e porque sou romancista.” (Grifos do
autor)
Neste processo, podemos encaixar o poema “Lésbia” de Cruz e Sousa,
publicado no livro “Broquéis”, de 1893,o poeta descreve uma figura feminina em
que ressaltam aspectos selvagens e instintivos, pela aproximação direta com
elementos do campo vegetal. O processo é intensificado pelos adjetivos que
complementam aqueles elementos (lascivo, selvagem, mortal, carnívora e
sangrenta),representando-se a sexualidade feminina, homossexual, como o título
indica, de uma perspectiva negativa, também byronica. Os dois últimos tercetos
acentuam a implícita aproximação ao satânico em referencia à demoníaca
serpente, estabelecendo-se uma atmosfera de entorpecimento nasal pelos campos
aromáticos, sabores em seios acídulos, amargos e visões obscuras como o luar
tuberculoso. Observe o poema “Lésbia”:
Cróton selvagem, tinhorão
lascivo,
Planta mortal, carnívora,
sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um
sangue vivo.
Nesse lábio mordente e
convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão
violenta
O Amor, trágico e triste, e
passa, lenta,
A morte, o espasmo gélido,
aflitivo...
Lésbia nervosa, fascinante e
doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atrações do
gozo.
Dos teus seios acídulos,
amargos,
Fluem capros aromas e os
letargos,
Os ópios de um luar
tuberculoso..
(Lésbia – Cruz e Sousa)
(...) o
terceiro, enfim, condensa-se nas lésbicas, por quem Baudelaire sempre se sentiu
atraído, talvez devido a razões psicanalíticas profundas que não vale a pena
investigar, mas que provavelmente se prendem com o repúdio da agressividade
inerente ao falocentrismo da sexualidade masculina, deixando essas mulheres
envoltas numa doçura que apenas o feminino conhece e que, sem o ônus da
gravidez e da família, dão a Baudelaire a ilusão de um amor tanto mais puro
quanto se libertou das leis da natureza.
Enquanto o Romantismo prega o cansaço da civilização se apegando a um
“Eu”, a uma “Pátria”, à “Religião” ou ao “Amor”, o Simbolismo expressa o mesmo
cansaço, mas sem idealismos em que se apegar; só resta, para os simbolistas, a
arte. Daí a idéia de “arte pela arte”. Além disso, diferentemente do
Romantismo, na experiência simbolista toda transcendência está destinada ao
fracasso. Trata-se de um mundo no qual não há mais Deus. A transcendência,
assim, se volta para o mundo retificado, caracterizando uma busca do além pela
concretude, configurando uma ambição um tanto quanto paradoxal. Outra diferença
entre os movimentos é que enquanto o primeiro comunica, o último sugere, via o
já explicado discurso indireto da imagem. Enquanto a figura de poeta no
Romantismo é a de bardo, que transmite verdades, no Simbolismo a é figura de
vidente - que vislumbra, entrevê.
Visto que a literatura brasileira sofreu grande influência da literatura
européia, nada mais natural que também nossos românticos e simbolistas se
imbuíssem dessa influência. Assim como Cruz e Sousa tenha se banhado na poética
orgânica de Baudelaire e Álvares de Azevedo na poética erótica de George G.
Byron. Mesmo que a máscara satânica usada pelos poetas peca pela falsidade, os
vícios que o escravizam não condizem com a realidade de ambos; Álvares de
Azevedo morreu tão virgem quanto nasceu, e nisso Cruz e Souza vivia ao lado da
Loucura de Gavita, sua esposa e na miséria, vendo distante dessa realidade tão
almejada em seus poemas, a necessidade da eterna busca conflituosa e
espirituosa.
Por: Valesca Rennó