Trecho baseado na pesquisa "Do Romance ao Simbolismo: Uma abordagem comparativista."
A mulher romântica, assim como a simbólica
é alva, branca na maioria das representações lascivas dos poetas. Porém, a
mulher romântica é sempre o anjo, a sereia, é essa incessante busca pelo
irreal, enquanto a mulher simbólica é tanto representada com uma atmosfera
bíblica, quanto em uma forma orgânica e carnal. Cruz e Sousa foi especialista na utilização de imagens
ousadas com efeito de sugestão. Angústia sexual e erotismo misturam-se em toda
sua extensão poética. Observe a exaltação de uma mulher que parece devorar os
homens no poema “Lubricidade” da obra “Broqueis”.
Lubricidade
Quisera ser a serpe venenosa
Que dá-te medo e dá-te pesadelos
Para envolverem, ó Flor maravilhosa,
Nos flavos turbilhões dos teus cabelos.
Quisera ser a serpe veludosa Que dá-te medo e dá-te pesadelos
Para envolverem, ó Flor maravilhosa,
Nos flavos turbilhões dos teus cabelos.
Para, enroscada em múltiplos novelos,
Saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
E babujá-los e depois mordê-los...
Talvez que o sangue impuro e flamejante
Do teu lânguido corpo de bacante,
Da langue ondulação de águas do Reno
Estranhamente se purificasse...
Pois que um veneno de áspide vorace
Deve ser morto com igual veneno...
Pois que um veneno de áspide vorace
Deve ser morto com igual veneno...
(SOUSA, Cruz. Broqueis,
pág. 30)
A grande tentação do homem branco é a
mulher de cor. Percebemos que ao longo de sua obra, há inexoravelmente uma luta
de oposição, desde o homem negro com a cultura do branco, o ideal amoroso da
mulher branca, do erotismo negro. A temática do feminismo na obra de Cruz e
Sousa, vem ao encontro do seu desejo de eternidade, de criação e de beleza
medieval evocadora. A mulher branca é sacralizada, portadora do mistério, como
se verifica excerto do poema:
“Alva, do alvor
das límpidas geleiras,
Desta ressumbra candidez de aromas...
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.”
Desta ressumbra candidez de aromas...
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.”
Virgem
medieval, da pureza intocável, o poeta mostra esse conflito interno em não
poder tocar a mulher branca, objeto do seu desejo. O eu lírico, então vislumbra
a mulher em seu desejo carnal que causa incômodos, geleiras, e talvez uma
repressão sexual e intima do poeta.
No poema “Alda”, a musa está
salva do vício “amortalhado na pureza clara”, indicando a negação total do
corpo e desejo carnal do poeta. Conta-se a necessidade de transceder e
espiritualizar a musa e que ao mesmo tempo apontam para o oposto; a imagem da
luxúria.
Alva, do alvor das límpidas geleiras,
Desta ressumbra candidez de aromas...
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.
Desta ressumbra candidez de aromas...
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.
Alta, feita no talhe das palmeiras,
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas
Lembra ter asas e asas condoreiras.
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas
Lembra ter asas e asas condoreiras.
Pássaros, astros, cânticos, incensos
Formam-lhe aureoles, sóis, nimbos imensos
Formam-lhe aureoles, sóis, nimbos imensos
Em torno a carne virginal e rara.
Alda fez meditar nas monjas alvas,
Salvas do Vicio e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.
Salvas do Vicio e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.
(Alda, Cruz e Sousa)
Há um drama
psíquico, entre o plano material e imaterial na intimidade do poeta. Em “Dança
do Ventre”, o poeta delineai a mulher como sendo pecaminosa, cujo corpo é a
forma inferior, o que causa uma certa eloqüência ao despertar o desejo
terrestre ao associar a mulher com um réptil em seu plano amoroso:
Torva, febril,
torcicolosamente,
numa espiral de elétricos volteios,
na cabeça, nos olhos e nos seios
fluíam-lhe os venenos da serpente.
numa espiral de elétricos volteios,
na cabeça, nos olhos e nos seios
fluíam-lhe os venenos da serpente.
Ah! que agonia
tenebrosa e ardente!
que convulsões, que lúbricos anseios,
quanta volúpia e quantos bamboleios,
que brusco e horrível sensualismo quente.
O ventre, em pinchos, empinava todo
como réptil abjecto sobre o lodo,
espolinhando e retorcido em fúria.
Era a dança macabra e multiforme
de um verme estranho, colossal, enorme,
do demônio sangrento da luxúria!
que convulsões, que lúbricos anseios,
quanta volúpia e quantos bamboleios,
que brusco e horrível sensualismo quente.
O ventre, em pinchos, empinava todo
como réptil abjecto sobre o lodo,
espolinhando e retorcido em fúria.
Era a dança macabra e multiforme
de um verme estranho, colossal, enorme,
do demônio sangrento da luxúria!
( SOUSA, Cruz.
Faróis, “Dança do Ventre”.)
Álvares de
Azevedo, mesmo descrevendo intimamente a mulher, sempre a eleva ao título de
virgem. Em sua poesia o sentimentalismo
é exaltado, e a mulher é paradoxalmente vista como o ideal de pureza conjugado
com a fonte de prazer carnal, ainda que pelo beijo e não pelo ato sexual, uma
vez que o ideal de pureza está relacionado à virgindade. É verídico
afirmar que o poeta amou e muito, mas devido a ausência de uma mulher “real”
que o correspondesse, esse plano ficou sempre na coexistência. Nisso, a lírica
do Poeta se aproxima muito da lírica de Cruz e Sousa; retratando a mulher alva
e intocável, as perfeições inalcançáveis de um poeta que morreu tão vigem
quanto nasceu. Observa-se a imagem do poeta que lamenta a virgindade;
“Oh! ter vinte anos sem gozar
de leve
A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo!
Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
Passam tantas visões sobre meu peito!
Palor de febre meu semblante cobre,
Bate meu coração com tanto fogo!
Um doce nome os lábios meus suspiram,
Um nome de mulher... e vejo lânguida
No véu suave de amorosas sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso... Que delírios!
Acordo palpitante... inda a procuro;
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!
Só o leito deserto, a sala muda!
Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
Nunca virás iluminar meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos?”
A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo!
Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
Passam tantas visões sobre meu peito!
Palor de febre meu semblante cobre,
Bate meu coração com tanto fogo!
Um doce nome os lábios meus suspiram,
Um nome de mulher... e vejo lânguida
No véu suave de amorosas sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso... Que delírios!
Acordo palpitante... inda a procuro;
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!
Só o leito deserto, a sala muda!
Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
Nunca virás iluminar meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos?”
(Idéias intimas –
Álvares de Azevedo)
Mário de Andrade, incontestavelmente descreve
o poeta com pequenas aventuras amorosas. O poeta tinha um certo retrocesso sexual.
Essa transferência de prazer físico para os sonhos é própria dos sexualmente
insatisfeitos, principalmente jovens. Onde Mário de Andrade foi encontrar a
“fobia”, Silvio Romero viu a ausência, e podemos observar que se conclui na “Lira
dos Vinte anos”, um anjo e um demônio misturados nos desejos físicos do poeta
que se encontram no plano carnal e irreal.
As fantasias eróticas do poema “Idéias íntimas”, estão
diretamente vinculadas ao conceito de masturbação:
“(...)No véu suave de amorosas
sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso... Que delírios!(...)”
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso... Que delírios!(...)”
Através dos sonhos sem dormir, sonhos como
sinônimo de devaneios e fantasias, em primeiro estágio, e dos sonhos dormindo,
o poeta vivia os seus desejo eróticos, que eram povoados de imagens lúbricas e
sensuais, fortemente excitantes. Descobre-se uma forte tendência sexual do
poeta e até mesmo um sentimento de culpa, quase sempre inseparável da
masturbação. Dentro desse contexto, vê-se um poeta movido pelos impulsos e
fantasistas arbitrários, tentando viver a imagem da mulher, colocando nos
lábios dela, no corpo frio embalsamado, em delírio tremendo e suspirando.
Enquanto isso, Cruz e Sousa manifesta sua apreciação pela
brancura, sinônimo de pureza de religiosidade, aproximando paralelamente da
mulher inalcançável, intocável pelo fato do preconceito racial vivido pelo
poeta em sua sociedade na época. Uma vez que a mulher se encontra distante do
poeta Romântico pela sua real incompatibilidade carnal, a mulher do Simbolista
se distancia em especificidade de Cruz e Sousa pela raça, pela
incompatibilidade social do poeta frente a uma sociedade ainda racista.
Do léxico de Cruz e Sousa,
especialmente o dos primeiros livros, já se disse que, além da presença
explicável de termos litúrgicos, traía a obsessão do branco, fator comum a tantas
de suas metáforas em que entram o lírio e a neve, a lua e o linho, a espuma e a
névoa. Ao que se pode acrescer a não menor freqüência de objetos luminosos ou
translúcidos: o sol, as estrelas, o ouro, os cristais. À explicação um tanto
simplista dos que viram nessa constante apenas o reverso da cor do
poeta, um intérprete mais profundo, o sociólogo Roger Bastide, preferiu outra,
dinâmica, pela qual todas as barreiras exitenciais da vida de Cruz e Sousa – e
não só a cor – o levaram a um esforço de superação e de cristalização, fazendo-o percorrer um caminho inverso ao de Mallarmé” (BOSI, 2006, p. 274)
[...]Talvez a explicação para o fato de Cruz e Sousa descrever e
idealizar a mulher branca esteja no fato de que ele teve uma educação de fundo
germânico,impregnada de Haeckel, Büchner e Schopenhauer [...] (COUTINHO, 2004,
p. 405).Também pode estar no fato de ele ter “amado uma Vênus loira, nórdica, que realmente existiu,
e que era uma pianista” (Idem, ibidem, p.403).
A musa de “Seraphica” é representada como bela e
virginal, portanto pura, dura e fria por um
lado, mas com a suavidade dos anjos e das flores por outro. Podemos deduzir
isso devido ao fato de a maioria dos adjetivos que a caracterizam se encontrarem especialmente no espaço simbólico das
pedras, das flores, da morte e do sagrado cristão, aí se encontra paralelamente
a musa de Álvares de Azevedo, onde a mesma se encontra fria, pálida e
reclinada:
Pálida à luz da
lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do
mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando
Não te rias de
mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei, chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
(AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. Porto Alegre: L& PM, 1998. p.190-191)
Por ti – as noites eu velei, chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
(AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. Porto Alegre: L& PM, 1998. p.190-191)
O poeta oscila entre a pura contemplação e
a possibilidade de concretização da relação amorosa.
Romanticamente o poema leva a crer que é através do sonho que existe a melhor oportunidade para a realização carnal do amor. É possível perceber uma certa antecipação da estética realista-naturalista na descrição do corpo da mulher. Quando vista de uma forma negativa, a mulher na forma intrínseca do poeta, representa a culpa carnal, a transmutação do desejo figurado ao plano real, o plano terrestre.
Romanticamente o poema leva a crer que é através do sonho que existe a melhor oportunidade para a realização carnal do amor. É possível perceber uma certa antecipação da estética realista-naturalista na descrição do corpo da mulher. Quando vista de uma forma negativa, a mulher na forma intrínseca do poeta, representa a culpa carnal, a transmutação do desejo figurado ao plano real, o plano terrestre.
" És a origem do Mal,
és a nervosa serpente tentadora e tenebrosa,
tenebrosa serpente de cabelos!... "
Quando nos debruçamos sobre o poema “Tenebrosa”
de Cruz e Sousa, o primeiro aspecto que chama a atenção já a partir do título é a representação
aparentemente negativa da mulher de cor negra, representação em que predominam
adjetivos e comparações provenientes de campos semânticos e simbólicos da luta,
do prazer carnal e da animalidade, " És a origem do Mal, és a nervosa serpente tentadora e
tenebrosa, tenebrosa serpente de cabelos!... "
No trecho do Poema da primeira parte da Lira dos vinte anos,
pode-se observar, ainda que bastante oculto, uma visão venenosa, atrativa
voltada para atmosfera sexual, tratada pelo satanismo, um certo desconforto por
parte do poeta em querer compactuar com esse desejo terrestre, a dor que isso
causa, a convulsa pela mulher idealizada semelhante à mulher de Cruz e Sousa:
Amoroso palor meu rosto inunda,
Mórbida languidez me banha os olhos,
Ardem sem sono as pálpebras doridas,
Convulsivo tremor meu corpo vibra...
Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejos...
E nos meus sonhos desmaiando passa
A imagem voluptuosa da ventura:
Eu sinto-a de paixão encher a brisa,
Embalsamar a noite e o céu sem nuvens;
E ela mesma suave descorando
Os alvacentos véus soltar do colo,
Cheirosas flores desparzir sorrindo
Da mágica cintura.
Sinto na fronte pétalas de flores,
Sinto-as nos lábios e de amor suspiro...
Mas flores e perfumes embriagam...
E no fogo da febre, e em meu delírio
Embebem na minh’alma enamorada
Delicioso veneno.
(AZEVEDO, Alvars de; Lira dos vinte anos – Itália
II)
Em uma tradição
cristã, o satanismo está associado ao paganismo através do Deus Pã que é um Deus venerado como força fecundante da natureza.
Meio homem, meio animal que tem o dorso e rosto de homem, mas ostenta chifres e
patas de bode, com longos pelos cobrindo o corpo e feições animalescas. A parte
animalesca sendo assim representada pelo rabo e pelas patas, mostra como o
homem está sujeito às tentações carnais. A mulher como símbolo do pecado é a
representação perfeita daquilo que podemos chamar de culto culposo a Eva por
ter entregado o paraíso ao cair na tentação de Satã. Por uma questão lendária e
cultural, a mulher veio sendo representada como o cerne dos problemas mundanos,
o perigo, o abismo profano no qual todos meros mortais estão sujeitos. Fazendo
uma pequena análise física da carta de Tarô de Marselha, podemos concluir essa
associação, deixando claro que a carta denominada “diabo”, carrega o consciente
confuso, curioso, tentado. O Deus Pã, nomeado como Diabo acorrentando um homem
e uma mulher nus, a representação de Adão e Eva é possível, relacionando simbolicamente
o ímpeto e a libertinagem interligados ao mal, o sexo e o desejo sendo objetos
dominante.
Ainda que idealizada em plano irreal, a
musa inspiradora, a virgem do seio rosado, a inspiração pela musa clássica dos
padrões europeus, a mulher esteve sempre presente representando os dois lados
da moeda: Se por um era o anjo etéreo virginal dos campos, por outro era a
personificação do mal, do veneno, a tradição pecaminosa. Aquilo que trai o
poeta, que o faz ceder à idéia que se torna carnal. Uma das vertentes que mais
definem essa familiaridade entre Cruz e Sousa e Álvares de Azevedo e muitas
outras categorias é a antítese sempre paralela e metapoética, Aquilo que é
inalcançável, a eterna busca pela realização plena e estática do ser humano fez
com que esses autores no auge de sua época retratarem a mulher como símbolo e
possibilidade de fuga do mundo que se vê enquadrado na decadência orgânica, no
próprio questionamento e conflito interno do poeta que não se encontra na
formalidade e na sua função. Eis um plano real e um fato presente na vida
destes dois poetas; o conflito existencial.
Por: Valesca Rennó